terça-feira, 10 de setembro de 2013

Secularismo e relativismo como causas da perda do sentido do pecado

1. Secularismo e relativismo como causas da perda do sentido do pecado

Na homilia do natal de 2012 o Papa Bento XVI aludiu ao problema do relativismo que corrói a moral desde dentro tocando no problema de fundo: a recusa de Deus.

Deus tem verdadeiramente um lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para O afastar; o pensamento, para ser considerado «sério», deve ser configurado de modo que a «hipótese Deus» se torne supérflua. E também nos nossos sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos, queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções. Estamos completamente «cheios» de nós mesmos, de tal modo que não resta qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. Fonte aqui.
Sensível a esta perda do sentido de Deus pela sociedade contemporânea, o Beato Papa João Paulo II, de feliz memória, escreveu na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Reconciliatio et Paenitencia a mitigação do sentido do pecado promovido pelas ciências humanas secularistas:
O «secularismo», que, pela sua própria natureza e definição, é um movimento de ideias e de costumes, o qual propugna um humanismo que abstrai de Deus totalmente, concentrado só no culto do empreender e do produzir e arrastado pela embriaguez do consumo e do prazer, sem preocupações com o perigo de «perder a própria alma», não pode deixar de minar o sentido do pecado.Desvanece-se este sentido do pecado na sociedade contemporânea também pelos equívocos em que se cai ao apreender certos resultados das ciências humanas. Com base nalgumas afirmações da psicologia, a preocupação de não tachar alguém como culpado nem pôr freio à liberdade leva a nunca reconhecer uma falta. Por indevida extrapolação dos critérios da ciência sociológica acaba-se — como já aludi — por descarregar sobre a sociedade todas as culpas, de que o indivíduo é declarado inocente. E uma certa antropologia cultural, por seu lado, à força de aumentar os condicionamentos e influxos ambientais e históricos, aliás inegáveis, que agem sobre o homem, limita-lhe tanto a responsabilidade que não lhe reconhece já a capacidade de fazer verdadeiros atos humanos e, por consequência, a possibilidade de pecar.
O sentido do pecado decai facilmente, ainda, sob a influência de uma ética que deriva dum certo relativismo historicista. Pode tratar-se da ética que relativiza a norma moral, negando o seu valor absoluto e incondicionado e negando, por consequência, que possam existir atos intrinsecamente ilícitos, independentemente das circunstâncias em que são realizados pelo sujeito (RP n. 18).
2. Os pecados mortais
E dado que com o pecado o homem se recusa a submeter-se a Deus, também se transtorna o seu equilíbrio interior; e, precisamente no seu íntimo, irrompem contradições e conflitos. Assim dilacerado, o homem produz, quase inevitavelmente, uma laceração no tecido das suas relações com os outros homens e com o mundo criado. É uma lei e um fato objetivo, que têm confirmação em muitos momentos da psicologia humana e da vida espiritual, como aliás na realidade da vida social, onde é fácil observar as repercussões e os sinais da desordem interior. O mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo (RP, n. 15)
O pecado é sempre esta aversão livre e consciente à lei divina. No entanto, o pecado mortal leva à morte da caridade na alma de quem o faz ao passo que o pecado venial não porque subsiste no cristão a esperança da remissão, não priva o crente da amizade divina nem da graça santificante. Neste sentido, o pecado é uma desordem perpetrada pelo homem na ordem justa criada por Deus. Assim, o pecado gera uma dívida de justiça que pode ser expiada nesta vida com sofrimentos ou provações ou ainda na vida futura, no purgatório. Os pecados cometidos, não arrependidos e não confessados, sendo mortais, tem o poder de provocar a “segunda morte” conforme o Apocalipse, ou à morte espiritual, conforme a primeira carta de João, a que chamamos inferno.
Para esclarecer a mortalidade dos pecados é preciso dizer que são mortais todos os pecados que tem por objeto uma matéria grave e que é cometido com liberdade de escolha e consciência por parte do indivíduo. Alguns pecados além de ser mortais são intrinsecamente maus, ou seja, independentemente das circunstâncias em que aconteçam são por si e em si maus por causa do objeto a que se destina esse pecado. Um exemplo dos pecados intrinsecamente maus é o aborto: seu objeto não é de nenhum modo bom. Assim, o aborto é um ato intrinsecamente mau independente das circunstâncias.
A mortalidade do pecado reside ainda no fato de que a pessoa de modo consciente e livre rejeita Deus, sua lei, sua aliança e sua caridade e volta-se para si mesmo ou para qualquer realidade finita. É sempre um ato que ofende gravemente a Deus e acaba por se voltar contra o próprio homem (RP, n. 17).
4. Os pecados contra o sexto mandamento da lei de Deus
O primeiro mandamento da Lei de Deus é: amar a Deus sobre todas as coisas. Deste mandamento derivam todos os demais. Juntos, os 10 mandamentos são agrupados em dois grupos: os pecados contra Deus e os pecados contra o próximo, como bem resumiu Jesus nos evangelhos. Em suma, cada pecado que se comete é sempre um pecado contra a caridade. Ou contra a caridade de Deus ou uma falta contra o próximo.
Nenhum ser humano foi criado para servir-se a si mesmo. Nós recebemos de Deus a vida e a liberdade não para vivermos como quisermos, mas, para viver segundo Deus (CIC, n. 1731).
Os homens de hoje apreciam grandemente e procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém, fomentam-na de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis “deixar o homem entregue à sua própria decisão”,  para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a ele. Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda segundo a própria consciência e por livre decisão, ou seja movido e determinado pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coação externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões, tende para seu fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente iniciativa os meios convenientes. A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efetiva esta orientação para Deus. E cada um deve dar conta da própria vida perante o tribunal de Deus, segundo o bem ou o mal que tiver praticado (GS, n. 17)
O texto de Gaudium et Spes fala inequivocamente de um mau uso da liberdade, uma sua confusão, e da escravidão das paixões e apetites humanos. Os gregos, milênios antes de nós, já haviam descoberto que as paixões humanas – seus humores por assim dizer – podem escravizar o homem. É este, por exemplo, o tema do diálogo O Banquete, de Platão, no qual se fala do Eros, sim, mas se condena o vício. O vício é altamente condenável na cultura grega a tal ponto que chegou a gerar uma linha filosófica: o estoicismo. Vivendo milênios após os filósofos gregos, após a sabedoria de quem escreveu os evangelhos e após Jesus Cristo, o homem esqueceu-se dessas reles verdades e exaltou as paixões aos “altares” da contemporaneidade. Aqui se inserem os pecados contra o sexto mandamento da Lei de Deus: uma perversão do verdadeiro sentido do que seja humano e do que seja liberdade. Penso que passaríamos vergonha em Atenas…
Ignorando que cada qual prestará contas a Deus daquilo que tiver feito (crendo ou não em Deus), o tempo presente provoca, aprova, sanciona e legitima tais pecados. É preciso dizê-lo: são pecados contra a Lei de Deus, seu objeto é grave e se cometidos precisam ser confessados, depois de arrependidos. Caso a pessoa morra sem confissão, confiamo-la à misericórdia de Deus que excede nossa razão. No entanto, não nos é permitido, igualmente, afirmar que tal pessoa alcançou a salvação dado suas disposições exteriores em contrário.
Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência: é o fenômeno chamado ateísmo. Desobediência do homem, que — com um ato da sua liberdade — não reconhece o senhorio de Deus sobre a sua vida, pelo menos naquele momento determinado em que viola a sua lei (RP, n. 14).
 5. O chamado à conversão

Como escreve Santo Tomás de Aquino: “não há que desesperar da salvação de ninguém nesta vida, consideradas a onipotência e a misericórdia de Deus. Mas, diante do problema do embate de uma vontade rebelde com Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de salutar «temor e tremor», como sugere São Paulo; e o aviso de Jesus sobre o pecado que não é «remissível» confirma a existência de culpas que podem trazer para o pecador, como pena, a «morte eterna» (RP, n. 17).
 Há algum tempo atrás eu ouvi dentro do meu seminário que pregar sobre céu, inferno, pecados mortais e purgatório era fazer teologia do medo. Pois bem, eu estudei esta teologia que é perfeitamente racional e condizente com toda a fé cristã e nada traz de medo, mas, de alerta. Se você sabe que um cão pode lhe morder, porque você se aproximaria dele? Se você sabe que um só pecado mortal pode lhe jogar no inferno – o que não é ilusão, fantasia, teologia do medo ou nada que se assemelhe – então porque deliberadamente consentir no pecado mortal, ou, mais grave ainda, se tornar um pecador contumaz sem arrependimento? Quem, racionalmente, colocaria fogo nas próprias vestes? Pois bem, a teologia sobre os pecados, sua gradação e as penas que lhes sucedem não é uma teologia do medo. É uma teologia da graça e da esperança. A Igreja nunca pregou para desesperar da graça, o que seria absurdo. A Igreja nunca pregou para esquecerem a bondade paterna de Deus. A Igreja nunca pregou apenas os pecados e suas penas. A Igreja pegou pecado e remissão, confissão e arrependimento, arrependimento e graça. A pregação da Igreja foi sempre coerente com aquilo que disse e fez o seu divino fundador e se colocou no meio dos homens como mãe e mestra, vejamos.
Mãe e mestra de todos os povos, a Igreja Universal foi fundada por Jesus Cristo, a fim de que todos, vindo no seu seio e no seu amor, através dos séculos, encontrem plenitude de vida mais elevada e penhor seguro de salvação. A esta Igreja, “coluna e fundamento da verdade” (cf. 1Tm 3,15), o seu Fundador santíssimo confiou uma dupla missão: de gerar filhos, e de os educar e dirigir, orientando, com solicitude materna, a vida dos indivíduos e dos povos, cuja alta dignidade ela sempre desveladamente respeitou e defendeu. O cristianismo é, de fato, a realidade da união da terra com o céu, uma vez que assume o homem, na sua realidade concreta de espírito e matéria, inteligência e vontade, e o convida a elevar o pensamento, das condições mutáveis da vida terrena, até às alturas da vida eterna, onde gozará sem limites da plenitude da felicidade e da paz. De modo que a Santa Igreja, apesar de ter como principal missão a de santificar as almas e de as fazer participar dos bens da ordem sobrenatural, não deixa de preocupar-se ao mesmo tempo com as exigências da vida cotidiana dos homens, não só no que diz respeito ao sustento e às condições de vida, mas também no que se refere à prosperidade e à civilização em seus múltiplos aspectos, dentro do condicionalismo das várias épocas (MM, n. 1-3).
 Esta nobre e sublime missão da Igreja se revela no seu zeloso amor para com todos os seus filhos gerados na fé. A estes ela “educa” no caminho da salvação, “dirige e orienta” nas verdades da fé. Por isso com carinho, segurança e firmeza de Mãe a Igreja precisa dizer aos seus filhos: Caros meus, nem tudo o que se faz é certo. Nem todas as decisões são boas. Algumas decisões vossas ofendem Nosso Senhor que, contudo, os espera de braços abertos para os acolher e redimir de seus pecados. A vida e a pregação da Igreja é, portanto, um anúncio de salvação. Um raio de sol numa manhã cinza de primavera que ainda carrega o frio do inverno. É gaudio, lufada de ar fresco nesse mundo no qual se respira o ar viciado da luxúria e da lascívia.

Siglas

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