Francisco, o clero e a pobreza

A pobreza de Francisco
O que se conta do Papa é a história de um homem que desde sempre abraçou o caminho do despojamento. Isto significa que seu jeito simples de ser não está em função da mídia. Não se trata de um Papa midiático como o foi João Paulo II. Homem de palavras e gestos simples, Francisco está conquistando o respeito e a admiração não somente dos católicos, mas também de muitas pessoas que não professam a fé cristã na Igreja. Isto é bom e agradável a Deus.
Neste sentido, está em plena sintonia com Jesus, que abraçou vida simples para inaugurar neste mundo o Reino de Deus. Francisco está também fazendo jus ao nome que escolheu para seu pontificado, referência a São Francisco, o pobre de Assis.
Em um mundo marcado pelo capitalismo selvagem, que induz as pessoas a serem materialistas e consumistas, o despojamento do Papa Francisco é profundamente profético. Seu jeito de ser denuncia o apego à riqueza, ao prestígio e ao poder que existe dentro e fora da Igreja. Portanto, os que vivem sob o fardo do apego não veem com bons olhos as palavras e os gestos do Papa Francisco. No interior da Igreja há inúmeros bispos e padres que até admiram o jeito simples do Papa, mas que se encontram bem incomodados.
A pobreza da Igreja
Após o período das grandes perseguições, a Igreja se tornou, por volta do séc. IV, a religião oficial do império romano. Desde este período, passando por toda a Idade Média até chegar o Concílio Vaticano II, no séc. XX, a hierarquia desconhecia a realidade da pobreza.
Claro que precisamos recordar grandes mulheres e homens que abraçaram um estilo de vida simples como, por exemplo, São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo e tantos outros. Respeitando a venerável memória destes, é preciso afirmar que a maioria sempre gozou de vida cômoda, com todas as seguranças possíveis. Há até santos ricos, que jamais conheceram vida simples e que, portanto, não se encontraram com Jesus na humildade e na simplicidade de vida dos pobres. Chegaram à santidade via canonização!
Durante toda a Idade Média, a Igreja acumulou muita riqueza, prestígio e poder. Tanto a história secular quanto a eclesiástica não escondem a podridão dos vícios e da vida devassa de muitos clérigos, inclusive papas. Aqui não é o espaço indicado para nomeá-los, mas apenas falar que existiram e ainda existem homens que procuram as ordenações presbiterais e episcopais porque sabem que elas podem lhes conferir uma vida financeiramente cômoda para o resto de suas vidas. Não me refiro aos diáconos permanentes, porque estes são obrigados a ganhar o próprio sustento e o de suas famílias, desempenhando as funções que os leigos desempenham no mundo.
Após o Concílio Vaticano II, o tema da pobreza, proposto radicalmente por São Francisco de Assis, no séc. XIII, voltou a ser mencionado na Igreja. A Conferência de Medellín, em 1968, explicitou claramente a necessidade da pobreza para a vida e a missão da Igreja no mundo.Medellín explicitou, Puebla (1979) reforçou, Santo Domingo (1992) recordou e Aparecida (2007) deu certa ênfase. Isto significa que a Igreja tem plena consciência da necessidade da pobreza para sua vida e missão, mas a grande dificuldade de abraçá-la encontra-se no fato de que a instituição sempre foi rica e sempre conviveu bem com os ricos. Estes sempre foram amigos da maioria dos que compõem a hierarquia.
Aqui surge uma questão que reclama uma resposta honesta: Afinal, o que seria uma Igreja pobre? A resposta, a meu ver, é simples: uma Igreja pobre é uma Igreja que se torna pobre, ou seja, que assume as inseguranças nas quais os pobres deste mundo se encontram.
Os religiosos professam voto de pobreza, mas guardam fortunas. Isto é pobreza? Os pobres não
possuem riquezas, por isso que são pobres. Para sobreviver, trabalham incansavelmente e sentem o peso de um simples aumento no preço dos alimentos e dos demais bens necessários à vida.

Para clérigos e religiosos, não importa a alta da inflação, pois possuem recursos suficientes para manter um alto padrão de vida. Vou citar, a título de ilustração, dois exemplos de instituições da Igreja que possuem patrimônios milionários: a Opus Dei e os Legionários de Cristo. São riquíssimos e para manterem-se ricos cometem as maiores atrocidades que se possa imaginar, desde a sonegação de impostos até as alianças espúrias com gente mafiosa no mundo dos negócios financeiros. Em nome do “anúncio do evangelho” cometem abusos escandalosos, que faz até vergonha mencioná-los.
Ser pobre é ser como Jesus, que, segundo o evangelho, não tinha onde reclinar a cabeça, é viver exposto às inseguranças deste mundo, é seguir Jesus nas veredas estreitas deste mundo. Que adianta a um homem rico vestir-se, falar e apresentar-se como homem simples, se no segredo guarda tesouros valiosos? Isto não é renúncia nem despojamento, mas aparência.
No evangelho, Jesus pediu ao jovem rico que vendesse todos os seus bens, não permitiu que abraçasse o seguimento contando com as seguranças das riquezas. Assim como a maioria dos ricos, o jovem preferiu a segurança das riquezas a se arriscar no seguimento de Jesus de Nazaré.
A Igreja só conseguirá evangelizar os pobres quando tiver a coragem de abraçar a pobreza.

O Espírito do Senhor está nos pobres. Esta é uma certeza evangélica inquestionável. Este mesmo Espírito ungiu Jesus para evangelizar os pobres. Portanto, se a Igreja quiser gozar da liberdade e da alegria do Espírito deve sair de si mesma, deve partir e, definitivamente, optar pelos pobres até as últimas consequências. O Espírito do Senhor está longe de estruturas fechadas, das liturgias desencarnadas, dos encontros nos quais os pobres são esquecidos e perseguidos, de um clero fascinado pelo poder, de pastores covardes e desonestos.
O Espírito do Senhor é livre e libertador, é a força de Deus circulando nas veias dos acreditam na utopia do Reino. É hora de a Igreja escutar este Espírito e escutá-lo, à luz da fé e das Escrituras, é obedecê-lo e obedecê-lo é dar a vida pelo próximo.
O Espírito não dorme nem cochila, está aí no meio do mundo. Ele clama e geme no coração dos pobres, fazendo-os agentes de um mundo melhor. Ele grita por justiça na boca de quem pede comida, casa, abraço e palavra. Está no coração das mulheres e dos homens que saem à procura e lutam, incansavelmente.
O Espírito está gerando o amor, a fé e a esperança e está, na liberdade de ação que lhe é peculiar, esperando que a Igreja desperte de sua sonolência e de seu comodismo e embarque de cheio na embarcação frágil e humilde dos pobres.
É preciso vigiar, refletir, abrir os olhos e os ouvidos, escutar, obedecer, deixar-se conduzir. Estamos em um momento de graça, de salvação. É preciso escutar, compreender, decidir e partir.
01 de agosto de 2013
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