sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Francisco, o clero e a pobreza

Francisco, o clero e a pobreza


Tendo passado um dos maiores eventos religiosos ocorridos no país, fica a pergunta: a Jornada Mundial da Juventude 2013 terminou, e agora José? Um dos aspectos que mais chamou a atenção do povo foi a simplicidade do Papa Francisco.O título desta breve reflexão aponta para a necessidade da pobreza na vida da Igreja. Não estamos defendendo a miséria, mas a pobreza, que é muito diferente. A miséria é um mal, um pecado gravíssimo; a pobreza é uma virtude, diríamos um dom de Deus para a vida da Igreja.
A pobreza de Francisco
O que se conta do Papa é a história de um homem que desde sempre abraçou o caminho do despojamento. Isto significa que seu jeito simples de ser não está em função da mídia. Não se trata de um Papa midiático como o foi João Paulo II. Homem de palavras e gestos simples, Francisco está conquistando o respeito e a admiração não somente dos católicos, mas também de muitas pessoas que não professam a fé cristã na Igreja. Isto é bom e agradável a Deus.
Neste sentido, está em plena sintonia com Jesus, que abraçou vida simples para inaugurar neste mundo o Reino de Deus. Francisco está também fazendo jus ao nome que escolheu para seu pontificado, referência a São Francisco, o pobre de Assis.
Em um mundo marcado pelo capitalismo selvagem, que induz as pessoas a serem materialistas e consumistas, o despojamento do Papa Francisco é profundamente profético. Seu jeito de ser denuncia o apego à riqueza, ao prestígio e ao poder que existe dentro e fora da Igreja. Portanto, os que vivem sob o fardo do apego não veem com bons olhos as palavras e os gestos do Papa Francisco. No interior da Igreja há inúmeros bispos e padres que até admiram o jeito simples do Papa, mas que se encontram bem incomodados.
A pobreza da Igreja
Após o período das grandes perseguições, a Igreja se tornou, por volta do séc. IV, a religião oficial do império romano. Desde este período, passando por toda a Idade Média até chegar o Concílio Vaticano II, no séc. XX, a hierarquia desconhecia a realidade da pobreza.
Claro que precisamos recordar grandes mulheres e homens que abraçaram um estilo de vida simples como, por exemplo, São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo e tantos outros. Respeitando a venerável memória destes, é preciso afirmar que a maioria sempre gozou de vida cômoda, com todas as seguranças possíveis. Há até santos ricos, que jamais conheceram vida simples e que, portanto, não se encontraram com Jesus na humildade e na simplicidade de vida dos pobres. Chegaram à santidade via canonização!
Durante toda a Idade Média, a Igreja acumulou muita riqueza, prestígio e poder. Tanto a história secular quanto a eclesiástica não escondem a podridão dos vícios e da vida devassa de muitos clérigos, inclusive papas. Aqui não é o espaço indicado para nomeá-los, mas apenas falar que existiram e ainda existem homens que procuram as ordenações presbiterais e episcopais porque sabem que elas podem lhes conferir uma vida financeiramente cômoda para o resto de suas vidas. Não me refiro aos diáconos permanentes, porque estes são obrigados a ganhar o próprio sustento e o de suas famílias, desempenhando as funções que os leigos desempenham no mundo.
Após o Concílio Vaticano II, o tema da pobreza, proposto radicalmente por São Francisco de Assis, no séc. XIII, voltou a ser mencionado na Igreja. A Conferência de Medellín, em 1968, explicitou claramente a necessidade da pobreza para a vida e a missão da Igreja no mundo.Medellín explicitou, Puebla (1979) reforçou, Santo Domingo (1992) recordou e Aparecida (2007) deu certa ênfase. Isto significa que a Igreja tem plena consciência da necessidade da pobreza para sua vida e missão, mas a grande dificuldade de abraçá-la encontra-se no fato de que a instituição sempre foi rica e sempre conviveu bem com os ricos. Estes sempre foram amigos da maioria dos que compõem a hierarquia.
Aqui surge uma questão que reclama uma resposta honesta: Afinal, o que seria uma Igreja pobre? A resposta, a meu ver, é simples: uma Igreja pobre é uma Igreja que se torna pobre, ou seja, que assume as inseguranças nas quais os pobres deste mundo se encontram.
Os religiosos professam voto de pobreza, mas guardam fortunas. Isto é pobreza? Os pobres não possuem riquezas, por isso que são pobres. Para sobreviver, trabalham incansavelmente e sentem o peso de um simples aumento no preço dos alimentos e dos demais bens necessários à vida.
Para clérigos e religiosos, não importa a alta da inflação, pois possuem recursos suficientes para manter um alto padrão de vida. Vou citar, a título de ilustração, dois exemplos de instituições da Igreja que possuem patrimônios milionários: a Opus Dei e os Legionários de Cristo. São riquíssimos e para manterem-se ricos cometem as maiores atrocidades que se possa imaginar, desde a sonegação de impostos até as alianças espúrias com gente mafiosa no mundo dos negócios financeiros. Em nome do “anúncio do evangelho” cometem abusos escandalosos, que faz até vergonha mencioná-los.
Ser pobre é ser como Jesus, que, segundo o evangelho, não tinha onde reclinar a cabeça, é viver exposto às inseguranças deste mundo, é seguir Jesus nas veredas estreitas deste mundo. Que adianta a um homem rico vestir-se, falar e apresentar-se como homem simples, se no segredo guarda tesouros valiosos? Isto não é renúncia nem despojamento, mas aparência.
No evangelho, Jesus pediu ao jovem rico que vendesse todos os seus bens, não permitiu que abraçasse o seguimento contando com as seguranças das riquezas. Assim como a maioria dos ricos, o jovem preferiu a segurança das riquezas a se arriscar no seguimento de Jesus de Nazaré.
A Igreja só conseguirá evangelizar os pobres quando tiver a coragem de abraçar a pobreza.
Os pobres não acreditam nos discursos dos ricos, pois estes costumam mentir, manipular e explorar. Podem até aplaudir e achar bonito, mas não acreditam de modo algum. O momento no qual a Igreja no Brasil gozou de maior credibilidade junto aos pobres foi na época dos grandes profetas como Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Ivo e Dom Aloísio Lorscheider, Pe. Josimo Tavares, Pe. Ezequiel Ramin, Dom Luciano Pedro Mendes, Ir. Lindalva Justo de Oliveira, Ir. Dorothy Mae Stang, Pe. José Comblin, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Antônio Fragoso, Dom Tomás Balduíno, Dom Oscar Romero e tantos outros profetas e mártires da caminhada do povo de Deus. Aos poucos, estes e tantos outros estão caindo no esquecimento e o motivo é muito simples: a Igreja dos Pobres com a qual sonhavam está sendo cada vez mais marginalizada.
O Espírito do Senhor está nos pobres. Esta é uma certeza evangélica inquestionável. Este mesmo Espírito ungiu Jesus para evangelizar os pobres. Portanto, se a Igreja quiser gozar da liberdade e da alegria do Espírito deve sair de si mesma, deve partir e, definitivamente, optar pelos pobres até as últimas consequências. O Espírito do Senhor está longe de estruturas fechadas, das liturgias desencarnadas, dos encontros nos quais os pobres são esquecidos e perseguidos, de um clero fascinado pelo poder, de pastores covardes e desonestos.
O Espírito do Senhor é livre e libertador, é a força de Deus circulando nas veias dos acreditam na utopia do Reino. É hora de a Igreja escutar este Espírito e escutá-lo, à luz da fé e das Escrituras, é obedecê-lo e obedecê-lo é dar a vida pelo próximo.
O Espírito não dorme nem cochila, está aí no meio do mundo. Ele clama e geme no coração dos pobres, fazendo-os agentes de um mundo melhor. Ele grita por justiça na boca de quem pede comida, casa, abraço e palavra. Está no coração das mulheres e dos homens que saem à procura e lutam, incansavelmente.
O Espírito está gerando o amor, a fé e a esperança e está, na liberdade de ação que lhe é peculiar, esperando que a Igreja desperte de sua sonolência e de seu comodismo e embarque de cheio na embarcação frágil e humilde dos pobres.
É preciso vigiar, refletir, abrir os olhos e os ouvidos, escutar, obedecer, deixar-se conduzir. Estamos em um momento de graça, de salvação. É preciso escutar, compreender, decidir e partir.
01 de agosto de 2013

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